Embora involuntário, Bolsonaro deixa um legado histórico para o país

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Márcio Chaer

No intervalo de três administrações petistas, um flash do PMDB (Temer) e um arremedo de liberalismo conservador de Jair Bolsonaro, o país olha-se agora no espelho. A nova rota ainda é incerta, mas há indicações do rumo e é possível constatar algumas mudanças.

Os vinte anos autoritários de regime militar (64/84) deixaram de herança uma Constituição enorme, detalhista. Sentiu-se a necessidade de especificar direitos e deslocar o eixo do papel Moderador para o Judiciário. Foi em 1988 que o país escolheu ser mais governado pelos togados que pelos eleitos. Goste-se ou não, é o que se escreveu na carta.

Ainda é cedo para rescaldo dos fatos recentes. Mas é possível falar algo sobre o legado de Jair Bolsonaro. Foi graças a ele que o Congresso se revitalizou e, pela primeira vez na história, legislou mais que o Executivo. Também no papel de inimigo comum, o capitão expulso do Exército uniu um STF que, pouco tempo atrás, vivia em pé de guerra. Não é pouco para alguém tão despreparado, ainda que sua intenção fosse outra.

Ao desafiar o sistema, Bolsonaro tirou o STF da sua zona de conforto. Alexandre de Moraes à frente — munido da coragem física que anos de tatame dão a quem não tem medo de ser golpeado sem reagir —, com o respaldo de outros ministros, o tribunal preencheu o vácuo de poder deixado pela inaptidão do presidente. Algo que Ricardo Lewandowski fizera antes, na crise sanitária, e Gilmar Mendes ao desmascarar a farsa lavajatista, o comitê que elegeu o descabelado e sua turma.

O Executivo sempre foi o poder absoluto no Brasil. Legislativo e Judiciário, coadjuvantes sem importância — órgãos atrofiados. O país deve à inação e nulidade de Jair Bolsonaro o inédito equilíbrio entre os poderes. Diz-se que não há vácuo no poder, mas no Brasil ele teve nome e sobrenome.

Mas o legado bolsonarista foi além. Coadjuvado pelos piores oficiais-generais da história do Brasil, Bolsonaro jogou luzes sobre a inutilidade das forças militares, como estão organizadas hoje. No dilema clássico que é a escolha entre um efetivo operacional grande e menos preparado; ou um contingente enxuto, mas eficiente, o país fez a pior das escolhas: uma tropa deficitária em tamanho, armamentos e preparo.

Não é preciso ser leitor do Military Balance, do Instituto de Estudos Estratégicos de Londres, para chegar a essa conclusão. O desfile de tanques enfumaçados e a deprimente experiência do Exército no combate ao tráfico na Rocinha já haviam sido suficientemente elucidativas. Graças a Bolsonaro e os palermas que o ajudaram, nenhuma dúvida restou de que o importante setor militar, hoje, só tem custo e benefício algum.

Ironia trágica: não foram os inimigos das forças armadas que as expuseram em sua infecção lesiva e perniciosa. Foram seus próprios chefes. Um crime de responsabilidade, de lesa pátria. A mais eficiente arma estratégica de uma força militar, o poder de dissuasão, pelo qual se evita confrontos com a simples exibição de musculatura e poder de guerra, foi jogada fora. Justamente quem a deveria cultivar expôs a vulnerabilidade que todo Exército, Marinha ou Aeronáutica têm por obrigação camuflar.

No campo jurídico, isso tem impacto. O país, agora, tem o ambiente para rever o rombo na previdência provocado por esse latifúndio improdutivo. A falta de ambiente para prender a família Bolsonaro e seus fanáticos foi suprida. É questão de tempo até que a Orcrim se junte aos “patriotas” já enjaulados.

O autor é diretor da revista Consultor Jurídico e assessor de imprensa.

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