Créditos de carbono: Sedam anula todos os atos envolvendo projeto na Resex Rio Cautário

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Rio Cautario. Foto: Frank Nery

A Secretaria de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) decidiu anular todos os atos administrativos envolvendo o contrato da empresa Permian Brasil Serviços Ambientais e Associação dos Seringueiros do Vale do Guaporé–AGUAPÉ visando a compensação financeira em decorrência da prestação de serviços ambientais objetivando a preservação da vegetação nativa localizada na Resex Rio Cautário, em Costa Marques, na região do Vale do Guaporé.

Rio Cautário. Foto: Frank Nery

A Sedam determinou a instauração de processo administrativo disciplinar com a finalidade de apurar a responsabilidade de todos os servidores envolvidos no ato de seleção e escolha da empresa.

Um Parecer Jurídico nº 659/2022/PGE-PA constatou a existência de vícios de legalidade no ato de seleção e escolha da empresa Permian Global e consequentemente recomendou a anulação dos referidos atos administrativos.

O presente Contrato tem por objeto a aplicação de modelo provedor recebedor por meio do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) na modalidade REDD+ pela Permian, na qualidade de pagador, à Comunidade na qualidade de provedor ambiental, com compensação financeira em decorrência da prestação de serviços ambientais visando preservação da vegetação nativa localizada na RESEX.

Instrumento ineficaz

A Sedam entende que o instrumento celebrado é em conclusão, ineficaz para a geração de créditos de carbono certificados e o procedimento formal difere completamente das legislações aplicadas no escopo do objeto do contrato atual, bem como conforme suscitado, sequer havia na época da formalização dos contratos fundamento legal na legislação brasileira para comercialização de créditos de carbono, “fato jurídico que exige procedimento licitatório específico, instaurado pelo Poder Concedente com fulcro em legislação federal devidamente implementada no âmbito estadual a fim de definir o escopo do projeto e os critérios regionais específicos da região”.

A reportagem do site Valor&MercadoRO teve acesso a decisão, publicada na edição do último dia 17 do Diário Oficial do Estado, no qual a Sedam julga improcedente e anula todos os atos administrativo envolvendo projeto e contrato firmado entre a Permian Brasil Serviços Ambientais.

A decisão foi encaminhada para a empresa Permian Global, a Associação dos Seringueiros do Vale do Guaporé –AGUAPÉ, ao Ministério Público do Estado de Rondônia – MP, ao Tribunal de Contas do Estado de Rondônia – TCE e a Corregedoria da Procuradoria Estadual, para as devidas manifestações e apurações dos possíveis crimes
cometidos pelos envolvidos.

Proveito econômico

Segundo o documento da Sedam, ficou expresso que os recursos provenientes de créditos de carbono que sejam emitidos no âmbito do projeto serão compartilhados na proporção de 30% à Permian e 70% à comunidade tradicional da RESEX Rio Cautário, sequer foi levado a conhecimento ao Estado de Rondônia.

“Também não consta como Poder Outorgante, o que é nulo de pleno direito, haja vista que as Reservas Extrativistas são de propriedade e domínio do ente federativo, não podendo empresas privadas e os moradores tradicionais a gestão autônoma dos recursos explorados e obter proveito econômico decorrente de ato ilícito, sob pena de lesão ao Erário Público”, diz o documento.

Termos do Aditivo foram celebrados no dia 03 de outubro de 2023, e somente foram anexados aos autos, após a prolação da Decisão Administrativa nº 12/2023/SEDAM-GAB e após a ciência da recorrente da referida decisão. Segundo a Sedam, o ato é totalmente iegal, haja vista que os aditivos estão “eivados de vício insanável, não possuem segurança jurídica, e tem o condão de manipular a percepcão da comunidade acerca dos resultados do processo administrativo, e ainda sobre a sua legalidade”.

A Sedam relata no documento que a Permian Global e os moradores tradicionais não possuem contratos de concessão de direito real de uso outorgados pelo Estado de Rondônia. “Esse ato, por si só, invalida quaisquer contratos celebrados entre a empresa privada e a população tradicional, uma vez que o ente federativo é o legítimo proprietário da RESEX Rio Cautário” diz o documento.

Manobra para burlar processo

O Estado de Rondônia, relata o documento, não foi informado sobre uma proposta de elaboração de aditivos contratuais, revelando-se como uma verdadeira manobra da recorrente para burlar o devido processo legal e retirar a autonomia do Estado na administração e gestão da RESEX Rio Cautário. O aditivo deveria passar
pelo devido processo legal, por se tratar de chamamento público, com legislação específica.

Ficais da Sedam durante operação. Foto Thales Quintao

“Os instrumentos contratuais não possuem respaldo técnico e jurídico, pois embora a recorrente tenha salientado que os recursos provenientes de créditos de carbono sejam emitidos no âmbito do projeto serão compartilhados na proporção de 30% à Permian e 70% à comunidade tradicional da RESEX Rio Cautário, tal alegação não deve prosperar, pois não há nos autos do processo administrativo, qualquer estudo de impacto
financeiro ou levantamento acerca do proveito econômico obtido pela empresa Permian e quantitatvo de tonelada de carbono por hectáres”, diz o documento.

O outro lado

Ao apresentar defesa junto a Sedam, a Permian alegou que tudo ocorreu de forma transparente e resultou vencedora do processo. A empresa alega lesão aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o contrato foi firmado entre a Permian e os moradores tradicionais da Resex Rio Cautário, sendo que os benefícios do projeto contemplam cerca de 315 pessoas, todas elas componentes das comunidades tradicionais da Resex Rio Cautário e que a SEDAM é mera interveniente-anuente. No entanto, a Sedam informou que o Estado é titular dos direitos e proprietário da Reserva Extratitivista, sendo, portanto, o Poder Outorgante.

As argumentações da empresa, segundo a Sedam, são totalmente desprovidas de materialidade, pois, conforme contrato firmado entre a recorrente e os moradores tradicionais, abragem somente 95 pessoas. A reportagem enviou e-mail a empresa, mas até o fechamento desta matéria a mesma não se manifestou. O site aguarda resposta da empresa sobre o tema para atualizar o material.

Famílias vão receber mil reais por mês para manter a floresta em pé, diz reportagem

Um o site de notícia no segmento ambiental publicou uma matéria especial no dia 22 de julho de 2020 tratamento sobre o acordo. Eis a reportagem na íntegra. A matéria destaca que famílias vão receber R$ 1 mil por mês para manter a floresta em pé.

A reportagem traz informação sobre acordo assinado no final de junho (29/06) por moradores dos municípios de Costa Marques e Guajará-Mirim com a empresa Permian Global para a venda de crédito de carbono vindos da manutenção da floresta preservada dentro da área protegida e investimentos para a implementação do plano de manejo.

R$ 5.592 milhões/ano

Conforme, a reportagem do site O ECO, o acordo também prevê um investimento na reserva extrativista de R$ 5.592 milhões/ano, que incluirá fortalecimento do plano de manejo e implementação de programas como o monitoramento da biodiversidade, a educação ambiental e a extensão rural e fomento econômico, além da criação de uma brigada de incêndio local.

“O projeto é para beneficiar as pessoas da comunidade, na medida em que elas conservem a área e até a melhorem, sem retirar delas direitos que tenham. É o contrário. É para reforçar esse direito, ou seja, fazer com que dentro das opções que tenham, elas exerçam as melhores escolhas, como, por exemplo, manter o extrativismo de castanha, de látex e outros produtos desse tipo. E não entrar, como em muitas unidades de conservação, em um processo que é completamente destrutivo de cortar floresta e plantar pasto para fazer pecuária”, explica Miguel Milano, diretor da Permian Brasil, braço nacional da Permian Global.

O fundo de investimentos inglês para operações com REDD+ implementará o projeto na reserva. Milano também é um dos fundadores de ((o))eco e até recentemente ocupava uma cadeira no conselho de administração da Associação O Eco, que mantém o site, diz trecho da matéria.

Os bastidores do projeto

Na matéria, o então coordenador de Unidades de Conservação da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (Sedam), Denilson Trindade, explica que a política que permite a venda de créditos de carbono vem sendo estudada pelo governo de Rondônia desde 2017. Em 2018, a Política de Governança Climática e Serviços Ambientais (PGSA) foi aprovada e instituído o Sistema de Governança Climática e Serviços Ambientais.

“Isso foi uma política nova, criada pelo governo do estado de Rondônia, uma vez que nós chegamos nesse entendimento de que as famílias que lá estão podem contratar, com a anuência do estado, essas parcerias para desenvolvimento de projetos de REDD+ [Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal]. Essa política está subdividida em Unidade de Conservação de Uso Sustentável, como a do Rio Cautário, e de Proteção Integral. Porém, nas de Proteção Integral, como não há moradores tradicionais, partimos para a licitação nos trâmites que a lei exige”, explicou ao site O Eco.

Com duração de 30 anos, o projeto se baseia na venda de crédito de carbono, compartilhamento de lucro líquido com governo comunidades, cumprimento do plano para proteção da área e da sue biodiversidade, e na melhoria da qualidade de vida das famílias que nela habitam.

Como surgiu o projeto na Sedam

O processo administrativo teve origem na CUC/SEDAM e fora deflagrado em 30/12/2019  visando dar publicidade ao interesse da comunidade extrativista da Reserva Extrativista Estadual Rio Cautário, para selecionar empresa parceira para o desenvolvimento de projeto de conservação para a exploração de carbono resultante da conservação da unidade.
Observando o Diário Oficial do Estado, publicado em 03.01.2020, visualiza-se a ocorrência de “Comunicado de Interesse Público nº 001/2020 – SEDAM-CUC”, tornando público o suposto interesse da comunidade extrativista Rio Cautário para o desenvolvimento de projeto de conservação.

A Portaria nº 102, de 20 de março de 2020, criou uma comissão com a finalidade de acompanhar, fiscalizar, receber e analisar as propostas do Chamamento Público nº 001/2020, publicado no Diário Oficial do Estado em 05.02.2020, sobre a execução de serviços de gestão e conservação na modalidade REDD+.

Três empresas se interessaram pela execução do projeto de crédito de carbono na Resex Rio Cautário. Outra reportagem publicada no site do governo do Estado em  13.10.2020, destaca que a escolhida pela Sedam, entregou ao governo estadual uma carta de uma empresa automobilística, garantindo a compra de todos os créditos de carbono gerados pela Resex. Eis a íntegra da reportagem, reproduzida pelo site Portal Amazônia.

O QUE É O REDD+

A REDD+ é um instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados relacionados às atividades de:

1) redução das emissões provenientes de desmatamento;
2) redução das emissões provenientes de degradação florestal;
3) conservação dos estoques de carbono florestal;
4) manejo sustentável de florestas; e
5) aumento dos estoques de carbono florestal

Estratégia nacional

No ano de 2015, o Brasil lançou sua estratégia nacional de REDD+ (ENREDD+) e criou a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+), atualmente regulamentada pelo Decreto nº 11548/2023. O art. 3º deste Decreto elenca como funções da CONAREDD+ formular diretrizes e emitir resoluções sobre:

I – a implementação da ENREDD+;
II – o estabelecimento e o cumprimento das salvaguardas de REDD+;
III – os pagamentos por resultados de REDD+ no País, reconhecidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima;
IV – a alocação de emissões reduzidas de gases de efeito estufa, incluída a definição de percentual destinado aos entes
federativos, no âmbito de sua competência, e aos programas e aos projetos de iniciativa privada de carbono florestal;
V – a elegibilidade para acesso a pagamentos por resultados de REDD+ no País;
VI – a captação, por entidades elegíveis, de recursos de pagamentos por resultados de REDD+;
VII – o uso de recursos de pagamentos por resultados de REDD+ captados pelas entidades elegíveis;
VIII – a regulação de padrões e metodologias técnicas para o desenvolvimento de projetos e ações de REDD+;
IX – a formulação, a regulação e a estruturação de mecanismos financeiros e de mercado para fomento e incentivo à REDD+, conforme o disposto nos art. 5º, art. 6º, art. 8º e art. 9º da Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009; e
X – as referências técnicas para a contabilidade das emissões reduzidas das iniciativas de REDD+, em conformidade com o Inventário Brasileiro de Emissões Antrópicas por Fontes e Remoções por Sumidouros de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal.

Fonte: Valor&MercadoRO

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