‘Quanto maior a miséria indígena, melhor para as ONGs’

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Polícia Federal faz operação retirar garimpeiros de áreas indígenas: Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Há décadas, um mistério resiste no Brasil: quantas são e o que fazem as ONGs da Amazônia? O tema já foi analisado numa capa de Oeste, em dezembro de 2021. “Já passou da hora de o Congresso descobrir o que as ONGs da Floresta Amazônica fazem com o dinheiro público e a que interesses elas atendem”, dizia a reportagem. Nas últimas semanas, recursos públicos destinados à causa indígena ganharam os holofotes da mídia, especialmente depois da exposição do estado de penúria dos ianomâmis. Só quem trabalhou ou conviveu nas aldeias da tribo sabe exatamente o que acontece na terra indígena.

Oeste conversou nas últimas semanas com personagens que a velha mídia esconde. A reportagem O outro lado do drama ianomâmi, no dia 3, tratou desse tema. Os fatos continuam sendo descortinados. Quem conta sua história desta vez é o cacique Lupedro Moraes, de 44 anos, da etnia macuxi. Ele se formou professor de Matemática e virou líder da comunidade de Volta do Teso, no município de Normandia, a 180 quilômetros de Boa Vista. Lupedro jogou luz em vários pontos sobre a atuação das ONGs, o avanço na exploração do solo, além de aspectos culturais que passam à margem dos brasileiros.

O cacique afirma que as imagens chocantes de indígenas desnutridos exibidas pela imprensa tradicional não retratam a realidade do povo ianomâmi. “Aquele índio desnutrido, em estado de alta vulnerabilidade, é apenas uma parte, como em qualquer sociedade. A imprensa é que faz todo um jogo sujo para dizer que os ianomâmis estão numa situação precária.”

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A área Indígena ianomâmi é extensa e de difícil acesso. Tem 9,6 milhões de hectares, o equivalente ao estado de Santa Catarina. Na região, há 127 escolas indígenas dentro das aldeias”. Os professores são indígenas , como Lupedro, que leciona Matemática (veja a foto abaixo). “A mídia não mostra os índios, a formação para ser professor, quem já trabalhou dentro das suas aldeias, tem salário pago pelo governo do estado de Roraima.”

Interesse das ONGS

Pelo último levantamento do Mapa das Organizações da Sociedade Civil, feito em 2020, há pelo menos 815 mil ONGs no Brasil e muitas delas atuam na Amazônia. A maioria é patrocinada por fundos internacionais. O que pode estar por trás dos interesses de outros países por tantas ONGs?

O ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a comparar o trabalho dessas organizações a um “câncer”.  “Vocês sabem que ONG não tem vez comigo. Boto pra quebrar com esse pessoal. Não consigo matar esse câncer chamado ONG”, disse, em 2020.

Segundo o general da reserva Maynard Santa Rosa, com vasta experiência na Amazônia, os interesses são diversos. “Há ONGs que se prestam a lavagem de dinheiro nas regiões de fronteira, ao crime organizado, a biopirataria de recursos naturais que são contrabandeados para fora, ao contrabando de armas, de minérios”. Ele enfatiza: “Você não faz ideia, por exemplo, como sai o ouro das reservas indígenas brasileiras para financiar a ditadura da Venezuela. Fazem o contrabando de pessoas e o tráfico de drogas”.

O general Luiz Eduardo Rocha Paiva, diretor do Instituto Sagres — organização formada por especialistas — diz que as ONGs manipulam os índios. “Há ONGs em terras indígenas, ligadas a potências internacionais e ao movimento globalista internacional, que procuram convencer o indígena brasileiro de que ele não é brasileiro.”

Para o cacique Lupedro, essa é uma questão delicada porque não é possível provar com documentos o envolvimento de lideranças indígenas com as ONGs. Há, contudo, vestígios de parcerias. “O objetivo dessa parceria, não se sabe ao certo… Posso afirmar é que se as ONGs realmente estivessem preocupadas com os indígenas, eles estariam em situação melhor. Essa parceria vem de décadas”, diz. “Deixo uma pergunta: é para manter o índio da forma que está?”

Memórias

As ONGs atuam na região desde a década de 1990. Lupedro relembra uma cena que aconteceu com seu avô, Caetano Raposo, líder da Raposa Serra do Sol, situada no nordeste de Roraima, na fronteira com a Venezuela, a cerca de 400 quilômetros da terra ianomâmi.

“Naquela época, chegavam pessoas ligadas à Igreja Católica que não eram padres, mas sempre estavam acompanhadas de padres. Um senhor disse ao meu avô: ‘Caetano, quero tirar uma foto sua, na casa mais pobre,  que está caindo, já abandonada. Quero tirar uma foto para mostrar ao mundo que a cultura de vocês é muito bonita”, relembra. “Meu avô respondeu: ‘Não, essa não é a nossa cultura, não vou fazer isso”.

“É isso que o mundo quer, os países desenvolvidos querem, os representantes de ONGs, a mídia: não querem ajudar o índio. É uma forma de ganhar dinheiro”, afirma Lupedro.

Problema crônico e conflitos internos

Ao contrário do que diz a mídia tradicional, na terra ianomâmi, cada grupo tem suas particularidades culturais, pensamentos e rotina. “É um assunto complexo que não pode ser generalizado. Infelizmente, a imprensa generaliza, é um jogo político, a gente sabe que é político”, diz Lupedro.

“Existem grupos que trabalham da seguinte forma: as pessoas adultas, com porte físico para prover alimento, têm prioridade — se alimentam melhor, porque são provedores. Depois, comem as crianças. Por último, os idosos”, afirma. E comem o mínimo possível, porque os indígenas entendem que os idosos têm pouca utilidade. “Imagine uma aldeia: são 300 pessoas caçando todos os dias….”

Há ainda os conflitos entre eles. As brigas vão desde a relação entre um homem e uma mulher de tribos distintas, como disputa por territórios. Muitos ianomâmis vivem em aldeias isoladas. Para um profissional de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) chegar a determinados destinos, leva cinco horas de caminhada em floresta densa e fechada.

“Há algum tempo, os próprios ianomâmis faziam uma espécie de segurança aos profissionais, mas até eles se sentem inseguros porque se o inimigo o encontra no trajeto entre uma aldeia e outra, eles matam. Então, deixam o profissional sozinho para andar a pé e isso desencadeia uma série de questões da saúde.”

“Essas situações governo nenhum vai resolver. Não é uma cesta básica que vai resolver, até porque certos grupos nem sequer consomem itens que da cesta básica.” 

O índio que trabalha

O índio que trabalha não passa fome. Na aldeia de Lupedro, os indígenas vivem da agropecuária. “Nós plantamos, criamos galinhas, porcos, gado, carneiros. A gente se alimenta. Agora, se a gente fosse viver de caça e pesca, com o número crescente de indígenas, não haveria a menor possibilidade.”

Para Lupedro, o indígena quer progresso, evolução e independência. Além de ouro, prata, diamante e tantos outros recursos preciosos, há os minérios chamados “não-nobres”, como areia, calcário, seixo, pedras, todos materiais usados na construção civil.

Desde 2005, Lupedro luta pelos direitos dos indígenas, inserção do índio na sociedade brasileira, pelo empreendedorismo nas comunidades. O cacique defende a  liberação da mineração em terra indígena em benefício econômico dos próprios indígenas. O ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que, em Roraima, a exploração sustentável de minérios alavancaria R$ 3 trilhões.

“Por isso que a gente sempre bate nessa tecla: um grande grupo dos indígenas defende não só a questão da legalização da mineração, mas a produção em grande escala. Defendemos o aproveitamento dos recursos hídricos com geração de energia”, afirma.

Fonte: Revista Oeste

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