Joel Elias
No coração da Amazônia, uma tragédia ambiental de proporções alarmantes se desenrola diante de nossos olhos. Porto Velho, capital de Rondônia, emerge como o epicentro de uma crise que ameaça o futuro da maior floresta tropical do mundo e do equilíbrio climático global. Esta cidade, outrora símbolo da exuberância amazônica, hoje carrega o peso de ser a capital de estado que mais contribuiu para a destruição sistemática deste ecossistema vital nas últimas quatro décadas.
Essa situação tem impacto direto no Estado como um todo, com números estarrecedores e revelam uma realidade que não pode mais ser ignorada. Somente entre janeiro e setembro de 2023, Rondônia viu mais de 740 mil hectares de sua área serem consumidos pelas chamas, um aumento chocante de 46% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Setembro, em particular, testemunhou uma escalada sem precedentes, com 420 mil hectares — mais da metade do total anual — reduzidos a cinzas em apenas 30 dias. Estes dados alarmantes colocam Rondônia em uma posição desproporcional ao seu tamanho: o sexto estado que mais queimou em setembro e o oitavo no acumulado do ano, apesar de ser apenas o 13º em extensão territorial.
A intensidade desta catástrofe ambiental foi tal que Porto Velho, por dias consecutivos, ostentou o título nada invejável de cidade mais poluída do planeta. Os habitantes da capital rondoniense foram forçados a respirar um ar tóxico, impregnado de partículas nocivas provenientes das queimadas incessantes que assolaram a região. E este cenário distópico vai muito além de ser apenas um problema local, é, na verdade, um grito de alerta para o mundo sobre as consequências diretas e imediatas do desmatamento desenfreado.
A situação já crítica é agravada por uma seca histórica que atingiu o Rio Madeira, artéria vital para Rondônia e um dos principais afluentes do Rio Amazonas. Em meados de setembro, o nível do rio despencou para meros 25 centímetros, a marca mais baixa desde o início do monitoramento em 1967. Este fenômeno não é um evento isolado, mas um sintoma claro das mudanças climáticas provocadas pela ação humana, com a estação seca se prolongando e as chuvas escasseando de forma alarmante.
As consequências desta seca sem precedentes são devastadoras para as comunidades ribeirinhas. Famílias inteiras se veem privadas de acesso à água potável, essencial não apenas para consumo próprio, mas também para a manutenção de lavouras e criação de animais. A pesca, pilar fundamental da dieta tradicional amazônica e importante atividade econômica local, está severamente comprometida. O impacto se estende além da subsistência imediata, afetando toda a cadeia de produção e comércio da região, com o transporte fluvial — principal meio de locomoção e escoamento de produtos — gravemente prejudicado.
A trajetória de destruição em Rondônia é um testemunho sombrio da velocidade e voracidade com que a floresta amazônica está sendo dizimada. Em apenas 39 anos, o estado viu sua cobertura vegetal nativa despencar de 93% para alarmantes 59%. Este declínio vertiginoso coloca Rondônia na liderança indesejada do ranking de estados com maiores perdas de vegetação original nas últimas quatro décadas.
O avanço das pastagens sobre a floresta é particularmente alarmante. Em 2023, 40% da área total de Rondônia — impressionantes 9 milhões de hectares — estavam ocupados por pastos, em contraste gritante com os pouco mais de 1,4 milhão de hectares em 1985. Este salto de 6% para 38% da área estadual dedicada à pecuária em menos de quatro décadas ilustra de forma contundente a rapidez e a intensidade com que a floresta está sendo convertida em pasto.
Esta expansão desenfreada coloca Rondônia entre os três estados brasileiros com maior avanço de áreas de pastagem dentro do bioma Amazônia, ficando atrás apenas de Tocantins e Maranhão. É um cenário desolador que reflete uma política de desenvolvimento insustentável e míope, que prioriza ganhos econômicos de curto prazo em detrimento da preservação de um ecossistema insubstituível.
A situação em Porto Velho e Rondônia é um microcosmo da crise ambiental que ameaça engolfar toda a Amazônia. É um alerta vermelho que não podemos mais ignorar. A cada hectare queimado, a cada árvore derrubada, estamos um passo mais próximos do ponto de não retorno, onde a floresta perderá sua capacidade de se regenerar e manter o delicado equilíbrio climático do qual todos dependemos.
A transformação desta realidade exige uma mobilização sem precedentes. Neste momento de crise ambiental aguda, é preciso que governos, em todas as esferas, implementem políticas efetivas de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável. A fiscalização deve ser rigorosa e a impunidade que hoje prevalece nas práticas de desmatamento e queimadas ilegais precisa dar lugar a uma cultura de respeito e preservação.
Mas a mudança não pode vir apenas de cima. Cada cidadão tem um papel crucial a desempenhar nesta batalha pela sobrevivência da Amazônia. É necessário um despertar coletivo para a importância vital da floresta, não apenas como um patrimônio nacional, mas como um bem inestimável para a humanidade.
O destino de Porto Velho, de Rondônia e da Amazônia está intrinsecamente ligado ao nosso próprio futuro. A devastação que testemunhamos hoje não é apenas uma tragédia local, mas uma ameaça global que exige uma resposta imediata e contundente de todos nós.
O tempo para agir é agora. Cada dia que passa sem uma mudança radical em nossa abordagem à preservação da Amazônia nos aproxima perigosamente de um ponto sem retorno. Porto Velho não pode continuar sendo o símbolo da destruição da floresta. É hora de transformá-la em um emblema de resistência, preservação e esperança para o futuro da Amazônia e do planeta.
O autor é jornalista